Dai a César o que é de César

Estudiosos afirmam que a imprensa oferece o que o povo quer consumir e não o contrário

Na teoria, todo ser humano precisa cultivar uma boa imagem, cuidar de sua reputação. Mas talvez alguns precisem, digamos, de mais zelo. Famosos, personalidades e figuras públicas têm seu rosto constantemente estampado em uma capa de jornal ou na telinha da TV. Nesse contexto, então, não é difícil acreditar que a mídia divulga candidatos e suas campanhas como quem deseja formar o posicionamento público¹, por exemplo.

Segundo Valeriano Costa, doutor em Sociologia pela USP e responsável pelo Centro de Estudos de Opinião Pública (CESOP), não é a mídia que forma a opinião pública, mas sim, o povo que a leva a falar exageradamente sobre o mesmo assunto, como ocorreu na cobertura das eleições para presidente dos Estados Unidos em 2008. “Eu acredito que a mídia é que foi arrastada pela opinião pública. A população ficou encantada [pela ‘personalidade Obama’] e a mídia também. Ele era um candidato exótico no começo, então a mídia foi na onda”, afirma Costa.

Para Costa, o interesse político dos veículos midiáticos não é exposto claramente no Brasil. “Em qualquer lugar do mundo os veículos de comunicação se interessam por um ou por outro candidato. É comum. Nos Estados Unidos é assim. O veículo se interessa pela filosofia de um candidato e se posiciona em relação a ele”.

E não é difícil encontrar essa característica na imprensa internacional. Para o professor Alcindo Gonçalves, doutor em Ciência Política pela USP, quando o jornal expõe seu posicionamento político através do editorial – texto que reflete a opinião do veículo para a sociedade – a cobertura jornalística se torna mais clara e transparente para o consumidor. “No Brasil esse hábito não é comum como é lá fora [no exterior]. A cobertura é feita aqui, na maioria das vezes, de maneira vergonhosa”, argumenta Gonçalves. “O desafio é fazer uma cobertura isenta e imparcial e não esconder do consumidor qual a opinião do órgão [veículo]. É o que a imprensa escrita internacional tenta fazer”, conclui.

Recentemente, o jornal O Estado de S. Paulo declarou apoio à candidatura do político tucano José Serra, um fato isolado. Talvez o problema seja a falta de maturidade do jornalismo nacional e do povo brasileiro que tende a misturar opinião de apenas informação.

Referências:

1 - “Mídia americana faz posse de Obama virar momento histórico”. Disponível em http://noticias.terra.com.br/jornaisrevistas/interna/0,,OI3464259-EI12965,00.html

Tá querendo aparecer, né?


Como vimos no texto sobre mídia e capitalismo, os meios de comunicação que estimulam, em grande parte, muitas das atitudes que os indivíduos tomam. Não que ela seja a raiz de todos os males, até porque se há mal nela, temos a liberdade de nos abster-nos, basta ter a atitude de desligar a TV, sair da internet ou fechar o jornal. Mas esse não é tema central desse texto. O fato é que se a mídia tem envolvimento com o capitalismo, certamente outros setores da sociedade se interessam por ela, como a política.

Recentemente, por ocasião do período eleitoral, o Brasil presenciou algumas “brigas” de pequenos partidos políticos nacionais requisitando mais espaço na mídia. Representantes do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Verde (PV), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Democrata Cristão (PDC), entre outros, criticaram a grande imprensa – formada pelos meios de comunicação de grande visibilidade nacional, como a Globo – de só darem aos grandes partidos oportunidades justas para se exporem na mídia.

O ex-canditado à presidência da República Plínio de Arruda Sampaio, por exemplo, ficou revoltado com a Rede Globo no início da campanha eleitoral. Em entrevista (gravada) para o Jornal Nacional, concedida ao repórter Tonico Ferreira, Plínio reclamou do fato de que somente os grandes partidos (como o PT e o PSDB) conseguem se fazer ouvir na mídia (assista o vídeo aqui). Mas porque políticos, partidos e famosos (ou aspirantes à celebridade) julgam ser tão importante estar na mídia?

De acordo com o sociólogo e pesquisador espanhol Manuel Castells, vivemos em um ambiente onde nossas experiências se baseiam, cada vez mais, nos meios de comunicação¹. Essa realidade, por sua vez, faz de nós platéia de um espetáculo chamado mídia. Rapidamente, vamos analisar somente a televisão, de forma isolada. Tomando como base a ideia de Catells, a mídia “arma o palco” para que tudo aquilo que se pretende comunicar à sociedade, de política à negócios, seja possível de ser transmitido.

Ou seja, se a mídia é o palco, os “artistas” são aqueles que nela aparecem. Assim, todo o indivíduo que quiser comunicar algo e não estiver presente nesse ambiente automaticamente está fora de cogitação. “A política e os políticos ausentes da televisão nas sociedades desenvolvidas simplesmente não tem chance de obter apoio popular” (CATELLS, pg. 421). Isso porque “as mentes das pessoas são informadas, fundamentalmente, pelos meios de comunicação, sendo a televisão a principal delas” (idem).

Só que essa “regrinha” de sobrevivência não vale somente para a televisão, afinal, a mídia é como um guarda-chuva: é formada por várias hastes que são igual importância. Ou seja, se a televisão dita quais informações serão absorvidas pelos cidadãos, consequentemente ela determinará o assunto dos jornais, das capas de revista e das manchetes dos sites de notícias.

E os políticos donos de mídias?

O problema é que muitos políticos brasileiros, para “garantir a fama” na mídia, se tornam donos, sócios ou diretores de veículos de comunicação, prática comum no Brasil mesmo indo contra a Constituição Federal. Ao fazer uma rápida busca pela internet é possível encontrar diversos materiais que analisam e citam essa prática. No site de notícias relacionadas à política Congresso em Foco, por exemplo, pode-se ler várias reportagens2 que mencionam nomes de senadores e deputados que controlam emissoras de rádio ou televisão. No Observatório da Imprensa, veículo jornalístico que analisa o comportamento da mídia desde 1996, também é possível encontrar outro dado3 sobre a concentração de veículos midiáticos em poder de políticos brasileiros: 271 são sócios ou diretores de empresas de radiodifusão (rádio ou TV) no país.

O tema também já foi objeto de estudo do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)4. Porém, de acordo com o artigo 54 da Constituição Federal, deputados e senadores não podem ser proprietários, controladores ou diretores de empresa concessionária de serviço público, nem estabelecer ou manter contrato com veículos de radiodifusão5.

Para o caso dos vereadores, deputados estaduais, prefeitos e governadores, existem leis semelhantes que também proíbem a prática. “Na verdade, as disposições federais devem ser reproduzidas nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas de cada município como uma espécie de extensão da Constituição Federal”, esclarece o professor Vidal Serrano, doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC – SP) e professor-assistente na mesma universidade. A norma só não vale para veículos impressos, já que esses não dependem de concessão para funcionarem (artigo 220, parágrafo 6º)6.

Porque é inconstitucional?

Portanto, o que fica claro até aqui é que, através da análise de dispositivos legais e de normas do país, os políticos brasileiros não podem possuir cargo remunerado ou serem donos de canais de TV ou estações de rádio, algo que ocorre, como já mencionado neste texto, apesar da inconstitucionalidade.

Porém, há uma informação que a própria mídia não esclarece: por que os poderosos das Assembleias Legislativas, Câmaras e Congresso não podem ser concessionários de rádios ou TVs?

Que tipo de prejuízo um político dono ou sócio de veículo midiático pode causar à sociedade?

Para o sociólogo Venício de Lima, pós-doutor em Comunicação pela Universidade de Illinois e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp) da Universidade de Brasília (UnB), se um político cujo mandato está em vigor possui ligações empregatícias com alguma rádio ou canal de TV, automaticamente está sendo desleal na corrida eleitoral.

Isso porque as campanhas políticas são feitas, fundamentalmente, pela mídia. Não só através dos horários políticos, mas, principalmente, através do que a imprensa divulga cotidianamente sobre os candidatos. “Se um político no exercício do seu mandato pode usufruir dessa concessão para construir sua imagem pública, ele já desfruta de uma condição desigual em relação a quem disputa as eleições com ele”, afirma. “Isso é profundamente antidemocrático. Se essa situação existe, é irregular, portanto, deveria ser combatida”, analisa o especialista.

A questão é que a comunicação e a mídia parecem um imenso terreno movediço para que regras sejam estabelecidas. Não se pode afirmar que um governante que possui laços estreitos de relacionamento com veículos de comunicação seja incapaz de produzir conteúdo de interesse público e ser isento. Mas, também, existe o risco de ele fazer uso de ferramentas midiáticas em benefício próprio. “Há sempre a possibilidade de associarem a imagem das coisas boas feitas durante determinada administração com o ocupante do cargo público na época. Isso sempre oferece uma vantagem para quem disputa a reeleição em relação àquele que concorre pela primeira vez ao cargo, por exemplo”, avalia Venício de Lima.

Falta ética

Além dos aspectos que regem as concessões de empresas de radiodifusão, existe a questão ética que também faz parte da discussão sobre políticos e o envolvimento desses com a mídia. Para a jornalista Daniela Lima, que cobre política no jornal Correio Braziliense, a sociedade deve sempre observar o relacionamento entre o poder público e os veículos de comunicação. Inclusive, através da apropriação de veículos midiáticos, pode acabar surgindo o perigo do monopólio de opinião. A questão é que as várias vozes da sociedade têm que estar presentes nos veículos de comunicação, como destaca o doutor em Comunicação Alfredo Vizeu, sócio-fundador da Sociedade Brasileira dos Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor). Se isso não ocorre, não há a possibilidade de contrastar ideias.

Então, em meio a tantos detalhes que merecem atenção, cabe ao jornalista “ter sabedoria e discernimento para saber até que ponto o que ele está fazendo pode prejudicar o relato fiel dos fatos e a busca pela imparcialidade”, reflete João Paulo Ferreira, produtor de jornalismo da EPTV, a afiliada da Rede Globo de Campinas. Afinal, acima da obrigação com editores, chefes e donos de mídias, o jornalista deve, em seu compromisso máximo, atender as necessidades da sociedade7.

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Referências:

1 - Trecho retirado do livro Sociedade em Rede, de Manuel Castells. Editora Paz e Terra.

2 - “A bancada dos empresários da comunicação: Veja a relação dos deputados que detêm concessão de emissoras de radiodifusão, segundo o Ministério das Comunicações” http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=2324

- “No ar, suas excelências: Pesquisadores gaúchos mostram que 35% dos senadores controlam direta ou indiretamente emissoras de rádio e TV”
http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=2395

- “Interesses em conflito: Dos 76 integrantes da comissão que autoriza concessões de rádio e TV, 16 são ligados a emissoras de radiodifusão”
http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=15049

3 -“271 políticos são sócios de empresas de comunicação”
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=487IPB004

4 - “Oligarquia, coronelismo e coronelismo eletrônico: A radiodifusão como arma para manutenção e ampliação do poder”
http://www.intercom.org.br/premios/2009/FabiolaMendonca.pdf

5 - Constituição Federal – Artigo 54 – Proibições aos deputados e senadores
http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=3.1594

6 - Constituição Federal - Capítulo V - Da Comunicação Social (Artigos 220 a 224)
http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/constfed.nsf/16adba33b2e5149e032568f60071600f/867c0b7d461bdcb50325656200704c11?OpenDocument

7 - Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros
http://www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf